Os grandes heróis do programa da "troika" foram as centenas de milhares de pessoas que perderam o emprego e se viram forçadas a emigrar e as empresas, afirma Tavares Moreira. Em entrevista à Renascença, o antigo governador do Banco de Portugal (entre 1986 e 1992) considera que o ajustamento tinha que ser rápido e a economia respondeu de forma "sensacional". A "troika" vai embora, as condições para regressar aos mercados estão asseguradas, mas Portugal vai continuar sob "grande vigilância" e "ainda bem". É que há uma "tendência quase irrefragável para voltar a cometer os mesmos erros", defende o antigo governante do PSD.
A saída limpa é a melhor opção ou Portugal devia ter alguma assistência?
O essencial é a normalização das condições de financiamento da economia, tanto do lado do Estado como das empresas que têm acesso ao mercado de capitais. Aquilo que temos verificado nos últimos tempos, até mais rapidamente do que se estaria à espera, é que essa normalização verificou-se e, aparentemente, está para ficar. As condições de regresso ao mercado estão, de certa forma, asseguradas e não é só apenas para o Estado: é para os bancos, para as grandes empresas que têm estado a emitir dívida em condições muito favoráveis.
Um programa cautelar não seria uma solução mais prudente?
O caminho está aberto para uma saída normal, sem necessidade de assistência especial. Em relação ao programa cautelar, ouço muito essa expressão, mas ainda ninguém definiu exactamente em que é que isso consistiria. O que me parece é que a vigilância reforçada a que vamos ficar sujeitos durante estes próximos anos não será muito diferente daquilo que seria o tal programa cautelar ou outro nome qualquer que lhe queiram dar.
O essencial, para mim, está na questão das condições de acesso aos mercados, ou seja, as condições de financiamento a economia. Todavia, há todo um segmento da economia que ainda não está normalizado, o das pequenas e médias empresas, que ainda estão a pagar custos de financiamento muito mais altos do que noutros países, em consequência da fragmentação dos mercados.
Mas não há nenhum programa cautelar que resolva isto. Isto só se resolverá com o tempo e, a pouco e pouco, as condições de financiamento, que agora são muito melhores para o Estado e para as grandes empresas, tenderão a estender-se ao resto da economia, às empresas em geral.
O programa de ajustamento podia ter sido mais suave e prolongado?
É o terceiro programa de ajustamento a que a economia portuguesa teve de se sujeitar. Os dois anteriores foram diferentes, num regime económico diferente: tínhamos moeda própria, taxas de juro próprias. Agora, a situação é diferente. De qualquer maneira, para a economia o problema é algo semelhante. Também nesses anteriores programas o ajustamento foi feito de forma muito rápida e penso que estas coisas têm de ser feitas de forma rápida, porque o cansaço é uma consequência inevitável desses programas. Repare o que foi já este calvário dos últimos tempos de permanente insatisfação, divulgada todos os dias pela comunicação social.
Mas houve um impacto na economia.
A economia respondeu de uma forma que eu diria mesmo sensacional. Nós estávamos com desequilíbrios enormes em relação ao exterior superiores a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) e hoje já estamos com superavit. Em três anos foi possível converter uma situação de grave desequilíbrio externo numa situação de superavit. Isto surpreendeu os próprios credores internacionais. Evidentemente, isto envolveu muito esforço, muito sacrifício por parte das empresas, dos trabalhadores e das famílias, que tiveram também de fazer uma grande ginástica para se aguentar neste contexto, com muitas dificuldades, mas, se isto se alongasse por mais tempo, tenho a impressão de que não se conseguiam resultados tão satisfatórios. Os sacrifícios acabavam por ser maiores e, provavelmente, teríamos de os prolongar ainda mais no tempo. Esse tipo de ajustamentos tem um “timing” que não se compadece com grandes períodos.
O que muda na vida dos portugueses com o fim do programa da "troika"?
Algumas medidas já foram anunciadas. Para mim, os grandes sacrificados deste programa não foram os funcionários públicos, mas os milhares de pessoas que ficaram sem emprego e os muitos milhares que tiveram de emigrar. Esses sim foram os grandes heróis deste programa de ajustamento. E as empresas que tiveram de fazer uma ginástica enorme para reconverter a sua actividade. Conheço casos muito significativos de empresas que, em quatro anos, passaram de 80% da sua actividade no mercado interno para 80% da sua actividade em mercados externos.
Esperemos que, agora, com alguma retoma económica, o desemprego possa começar a baixar. Em relação aos emigrantes, pouco haverá a fazer. Esperemos que o país um dia os possa acolher da melhor forma. Nesta altura não é possível, como é óbvio.
Faz sentido o discurso da restauração da independência, muito usado por Paulo Portas?
Eu seria mais cauteloso. Não vale a pena entoar hinos de independência, de que agora acabou tudo, que já não temos que prestar contas a ninguém. Não é nada disso que se vai passar. Vamos ter que prestar contas, ser sujeitos a uma vigilância muito grande e ainda bem que assim é. Também já se percebeu que, se não estivermos sujeitos a vigilância nenhuma, temos uma tendência quase irrefragável para voltar a cometer os mesmos erros. Foi o terceiro programa de ajustamento da economia portuguesa e as situações que deram origem a esses programas têm sempre na base erros graves de política económica. É melhor darmo-nos por satisfeitos por termos a missão cumprida.
Teme que as duas eleições que se aproximam façam o país sair do caminho do rigor?
Espero que não. Parece-me que há do lado da oposição, especialmente do principal partido da oposição, um discurso excessivamente ilusionista em relação à situação. Também não recomendaria nada esse tipo de discurso, até porque que, se depois assumir a responsabilidade de Governo, o discurso no dia seguinte muda 180 graus. Isto nunca é desejável, nunca é salutar: as pessoas acabam por se sentir frustradas ou enganadas 24 horas depois.
fonte:rr