Depois de ter sido o relator da comissão parlamentar sobre as parceiras público-privadas (PPP), Sérgio Azevedo decidiu escrever um livro sobre o tema. "PPP e o Custo de Um Estado Fraco. Toda a verdade sobre as parcerias Público-Privadas", que é lançado esta quarta-feira, reúne um conjunto de perguntas na sinopse, umas das quais quantifica o problema: "Sabia que os encargos líquidos com as Parcerias Público-Privadas Rodoviárias e Ferroviárias são o equivalente a 10 anos de subsídios de férias de todos os funcionários públicos e de todos os reformados portugueses?". Em entrevista à Renascença, Sérgio Azevedo, que também é deputado do PSD, responsabiliza todas as cores partidárias, admite que o Parlamento não foi devidamente vigilante durante anos e garante que estão identificados todos os governantes com culpas no cartório. "Politicamente, o julgamento está feito, mas agora há outra parte que deve ser feita." Refere-se à Justiça.
O modelo de PPP teve sérias implicações nas contas públicas. Este é um modelo de investimento que não devia ter sido usado?
Na minha perspectiva, o problema não é o modelo de contratação pública por recurso à parceria público-privada. O que ficou comprovado na comissão de inquérito é que o problema foi a forma como o Estado usou este modelo. Temos que fazer aqui uma distinção entre o tipo de PPP que o Estado foi fazendo ao longo destes quase 20 anos. Temos as PPP de primeira geração, onde o Estado não tinha informação nenhuma sobre este modelo de contratação e, portanto, importou este modelo do estrangeiro como forma de realizar obra pública sem ter encargos. Depois temos as parcerias de segunda e terceira geração, que são estas últimas subconcessões do Governo anterior, em que todas trouxeram encargos para o contribuinte. Com o tempo, percebeu-se que não se aprendeu e que o Estado não se conseguiu adaptar, atrair conhecimento e modernizar para realizar este tipo de contratos sem que saia prejudicado.
Este é um tipo de investimento que vai deixar de ser usado? Que deve deixar de ser usado?
Nós temos que ser realistas: na conjuntura económica actual e futura, é difícil haver obra pública exclusiva com investimento público. É difícil. O problema não é fazer uma parceria pública-privada - o problema é a forma como se faz essa parceria. Nós temos casos em que o Estado não cumpriu completamente o seu papel. Não é compreensível que se celebrem contratos onde as rentabilidades das concessionárias sejam definidas por elas próprias, por exemplo. Como também não é admissível que uma parceria público-privada que supostamente implicaria custos para os contribuintes acabe por ter, afinal, um custo de mil milhões de euros, como é o caso da Lusoponte.
O que se deve fazer para evitar cometer os erros do passado?
O que temos de fazer é dar condições ao Estado para que consiga celebrar estes contratos de uma forma em que os contribuintes não saiam lesados no futuro, algo que passa pela modernização do Estado e pela formação dos seus quadros e dos seus funcionários. Nós, Estado, temos de saber competir com essas grandes empresas privadas que têm um conhecimento na matéria muito superior. Passa também pelo Estado-Governo definir um quadro estratégico de investimento e desenvolvimento do país. O grande argumento que esteve por trás de muitas PPP foi o desenvolvimento regional e o combate à desertificação. É natural que as estradas são fundamentais para esses propósitos, mas o Estado não fez o resto. Fechou maternidades, fechou serviços públicos, não criou condições para a atracção de investimento económico nessas localidades... Portanto, não evitou o êxodo para o litoral. Eu diria que houve uma espécie de negligência no sentido em que o interesse político em satisfazer determinadas localidades, determinados municípios, em angariar votos, se sobrepôs a um quadro de desenvolvimento estratégico que deveria existir no país.
Esse fenómeno que descreve é transversal a todas as cores partidárias?
Sim. Ficou claramente provado na comissão de inquérito que a maioria da celebração das PPP é coincidente com períodos eleitorais em Portugal. Digamos que é um brinde dos governos às populações para atraírem eleitorado ou votos para as eleições seguintes, o que cria problemas financeiros gravíssimos, porque foge muito da estratégia de desenvolvimento.
É possível contabilizar o que seria poupado, por exemplo, em termos de austeridade se as PPP tivessem corrido bem?
É muito difícil fazer essa conta, porque aquilo que foi pago a mais muitas vezes vem de decisões unilaterais do Estado, ou seja, é o Estado a actuar contra si próprio. O Estado celebra determinado contrato e depois, por alteração unilateral do próprio Estado - ou seja, por decisão de um Governo qualquer - vai compensar a concessionária por trabalhos a mais ou outros argumentos. O que sabemos é que se muitas dessas decisões políticas desses governos não tivessem sido tomadas, as PPP provavelmente não teriam corrido mal.
Os autores dessas decisões estão identificados?
Estão todos identificados, foram é muitos.
Os governantes em causa não deviam responder perante a Justiça?
É uma questão que não lhe sei responder e quem lhe terá de responder é a Procuradoria-Geral da República, que tem um inquérito aberto há mais de um ano e ainda não temos notícias acerca das conclusões desse inquérito ou sequer do caminho que esse inquérito está a levar. Eu acho que temos de saber separar aquilo que é da política e aquilo que é da Justiça. Politicamente, o julgamento está feito, mas agora há outra parte que deve ser feita. É uma questão que toda a gente está à espera de ver respondida e cuja resposta tem de ser dada pelas autoridades judiciais. Se existe uma investigação em curso, o mínimo que se pedia num Estado de Direito era saber em que ponto é que está essa investigação.
Ao longo destes quase 20 anos, os contratos foram sendo feitos e não se ouviram vozes contra vindas do Parlamento, a não ser muito recentemente. Os deputados também não são culpados pelo "silêncio" a que se remeteram?
As PPP começam a ser muito faladas a partir de 2011, com a entrada da 'troika' em Portugal, precisamente porque a 'troika' obrigou que as PPP e a dívida que foi criada nas empresas públicas do sector fosse contabilizada para o défice. É a partir dessa altura que há uma noção clara do grande volume de encargos que este tipo de contratos trouxe aos contribuintes. O Parlamento tem a responsabilidade da fiscalização da acção do Governo e, portanto, eu julgo que o Parlamento poderia ter tido no passado uma pronúncia mais forte sobre esta matéria, nomeadamente no que diz respeito à fiscalização deste tipo de contratos e deste tipo de obras. Eu reconheço isso e julgo que sim, no passado, esta matéria passou um pouco ao lado do Parlamento.
Do ponto de vista legal, é possível renegociar estas PPP de forma a atenuar as perdas para o Estado?
É possível e está a ser feito. Se a renegociação do Governo correr bem, estamos a falar de uma redução base média anual de 300 milhões de euros, ou seja, 7,4 mil milhões de euros em toda a duração dos contratos. É quase 24% dos encargos que temos hoje em dia com PPP. Portanto, é uma redução significativa. São contratos difíceis, muito particulares, mas eu julgo que as concessionárias percebem as dificuldades que o país atravessa.
Tem informação sobre se essa renegociação está bem encaminhada?
Tudo indica que sim. Julgo que está dependente de algumas aceitações da banca e do Tribunal de Contas, mas havendo redução de encargos para o Estado, não vejo por que motivo o Tribunal de Contas se oporá à renegociação dos contratos.
Perfil
Sérgio de Azevedo, 33 anos, é deputado do PSD há dois, eleito pelo círculo de Lisboa. Foi o relator da comissão de inquérito sobre as PPP. É licenciado em Ciências da Comunicação e também frequentou o curso de Direito. No plano partidário, foi vice-presidente da JSD e presidente da assembleia distrital de Lisboa da JSD. Antes de chegar ao Parlamento, trabalhava na EMEL, onde foi o responsável pela unidade de novos produtos e meios de pagamento. No Parlamento, integra a comissão de Assuntos Europeus e a comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação.
FONTE: rr E rV+